21 de abril de 2020
Foto: Andre Lucas/The Guardian

Jair Bolsonaro está conduzindo os brasileiros “para o matadouro” com sua forma irresponsável de lidar com o coronavírus, disse o ex-presidente do país Luiz Inácio Lula da Silva.

Durante uma apaixonada entrevista ao Guardian – que ocorreu quando o Brasil atingiu 1.924 mortes por Covid-19 – Lula disse que ao solapar o distanciamento social e demitir seu ministro da Saúde, o líder “troglodita” do Brasil arrisca repetir as cenas devastadoras que aconteceram no Equador, onde as famílias tiveram que deixar os corpos de seus entes queridos nas ruas.

“Infelizmente eu temo que o Brasil sofrerá bastante por causa da irresponsabilidade de Bolsonaro… Eu temo que, se isto crescer, poderemos ver no Brasil alguns casos como as imagens horríveis que vimos em Guayaquil”, disse o líder de esquerda.

“Não podemos derrubar um presidente apenas porque não gostamos dele”, Lula admite. “[Mas] se Bolsonaro continuar a cometer crimes de responsabilidade… [e] tentar conduzir a sociedade para o matadouro – que é o que ele está fazendo – Eu acho que as instituições vão achar uma maneira de tirá-lo. E isso quer dizer que precisará haver um impeachment“.

Bolsonaro – um ex-capitão do Exército orgulhosamente homofóbico, é menosprezado pelos progressistas brasileiros por sua hostilidade em relação ao meio ambiente, direitos dos indígenas e às artes, e também por suas supostas conexões com grupos milicianos no Rio de Janeiro – desinformou milhões com a sua postura desdenhosa ao coronavírus, que ele banaliza dizendo ser uma “histeria” da mídia e uma “gripezinha”.

Desde que a Organização Mundial da Saúde declarou a pandemia em 11 de março, o presidente do Brasil repetidamente desrespeitou o distanciamento social, primeiro ao incentivar e participar de protestos pró-Bolsonaro e, depois, com uma série de visitas provocativas à padarias, supermercados e farmácias. Durante uma saída desnecessária Bolsonaro declarou: “Ninguém vai impedir meu direito de ir e vir”.

Em março, o populista de direita até sugeriu que os brasileiros não precisavam se preocupar com a Covid-19 já que eles poderiam até tomar banho em excrementos “que nada acontece”.

Atitudes como estas colocaram Bolsonaro em sério desacordo com seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, um médico que se tornou político e que foi demitido na quinta-feira, após contrapor-se ao comportamento do presidente.

Enquanto isso, o filho político de Bolsonaro, Eduardo, começou a destruir as relações entre o Brasil e seu principal parceiro comercial, a China, ao culpar os líderes do Partido Comunista pela crise do coronavírus.

As ações de Bolsonaro provocaram panelaços toda noite em cidades de Norte a Sul do país, e suscitaram o desprezo de todo o espectro político.

“O coronavírus deve estar dando muita risada”, a colunista do jornal conservador O Estado de São Paulo Eliane Catanhêde escreveu sobre as práticas de Bolsonaro nesta semana.

O governador de direita do estado mais populoso do Brasil, São Paulo, declarou que o país está em guerra tanto contra o coronavírus quanto contra o “Bolsonaro-vírus”.

Lula, que governou o país de 2003 a 2010, afirmou que as ações “grotescas” de Bolsonaro estavam ameaçando vidas ao ignorar as medidas de distanciamento social recomendadas pelo próprio ministro da Saúde do Brasil.

“É natural que uma parcela da sociedade não entenda a necessidade de permanecer em casa ou o quanto isso é sério – especialmente quando o presidente da República é um troglodita que diz ser apenas uma gripezinha”, Lula disse em videoconferência, direto da cidade brasileira de São Bernardo do Campo, onde está em isolamento após seu retorno de uma tour pela Europa.

“A verdade é que Bolsonaro não pensa sobre o impacto que seus atos destrutivos têm sobre a sociedade. Ele é irresponsável.”

Bolsonaro diz que sua oposição às medidas de isolamento social origina-se do desejo de proteger os cidadãos brasileiros mais vulneráveis e os seus empregos.

Após demitir seu ministro da Saúde, Bolsonaro alegou estar lutando pelo “sofrido povo brasileiro” e alertou que o coronavírus estava ameaçando se tornar um “verdadeiro moedor de empregos”.

“O governo não abandonou os mais necessitados em nenhum momento… As massas empobrecidas não podem ficar presas em casa”, disse Bolsonaro. “Eu sei… a vida não tem preço. Mas a economia e os empregos devem voltar ao normal”

Lula, que nasceu em uma zona rural pobre e ganhou reconhecimento internacional por sua luta contra a fome, zombou da ideia de considerar Bolsonaro como um defensor dos pobres.

“Bolsonaro só está interessado nele mesmo, nos seus filhos, em alguns generais conservadores e em seus amigos paramilitares”, ele afirmou, em referência às alegações de longa data sobre as relações entre a família do presidente e a milícia do Rio de Janeiro.

“Ele não conversa com a sociedade. Bolsonaro não tem ouvidos para escutar. Ele tem apenas uma boca para falar disparates.”

Mesmo afirmando que o impeachment é uma opção, o ex-presidente reconheceu que não há apoio para isso no Congresso atualmente, como havia quando sua sucessora de esquerda, Dilma Rousseff, foi destituída em 2016.

Ele disse que muitos políticos de direita pensam ser melhor deixar que Bolsonaro continue a sabotar suas chances de reeleição em 2022 através de sua própria incompetência – antes de eleger outro presidente de direita.

Lula, que foi afastado das eleições de 2018 após ser preso por questionáveis acusações de corrupção, sinalizou que não seria o candidato da esquerda nesta disputa.

“Eu perdi meus direitos políticos, então não estou falando de mim”, disse. Lula foi solto em novembro de 2019 após 580 dias na prisão, seguindo um entendimento da Suprema Corte.

“Mas te digo que pode ter certeza de que a esquerda vai governar o Brasil novamente em 2022. Não precisamos debater quem será o candidato neste momento. Mas vamos votar em alguém que tenha compromisso e respeito aos direitos humanos, que respeite a proteção ao meio ambiente, que respeite a Amazônia… que respeite negros e indígenas. Nós vamos eleger alguém que tenha compromisso com os pobres deste país”.

Observadores da política brasileira estão menos certos de que Bolsonaro está totalmente acabado – ou que a esquerda está em um bom lugar para substituí-lo.

Alguns acreditam que Bolsonaro – um entre os únicos quatro líderes que ainda minimizam o coronavírus, os presidentes autoritários da Nicarágua, Belarus e Turcomenistão – tenha destruído suas chances de um segundo mandato com esta resposta à crise.

Mas Thomas Traumann, um comentarista político e ex-ministro de Comunicação durante o governo de Rousseff, diz que esta certeza é precipitada: “Temos ainda dois séculos pela frente até 2022”.

Traumann disse estar claro que Bolsonaro se enfraqueceu muito – mas até agora políticos de direita, como os governadores do Rio de Janeiro e São Paulo, parecem ser os que mais capitalizam em cima dos erros de Bolsonaro.

E, ultimamente, o Brasil está passando por semanas tão impredizíveis e tumultuosas, que é impossível saber qual será o resultado político.

“Todos sabemos que Bolsonaro sairá da crise mais fraco. Sabemos que seus erros não serão perdoados”, disse Traumann.

Como as peças políticas vão se encaixar depois disso é o que todos tentam saber, Traumann complementou, comparando a crise brasileira ao início de uma volta na montanha-russa.

“Todos sabemos que muitas reviravoltas estão por vir… Estamos nos movendo em direção a um mundo desconhecido … Estamos navegando na escuridão.”

Lula diz estar certo de uma coisa: que em um momento de crise nacional, o Brasil precisa de um líder capaz de unir seus 211 milhões de cidadãos.

“Um presidente deveria ser como um maestro”, disse. “O problema é que nosso maestro não sabe nada sobre música, não consegue ler uma partitura e nem ao menos sabe como os bastões funcionam.

“Ele está tentando tocar música clássica com instrumentos para samba. Ele fez da orquestra uma loucura – uma Torre de Babel”, disse. Ele não sabe o que está fazendo no palácio presidencial… Nem mesmo Trump o leva a sério.

The Guardian