6 de março de 2020
Luiz Inácio Lula da Silva e Jean-Luc Mélenchon em Paris, dia 1º de março. Foto: Ricardo Stuckert

Ele não mudou, ou mudou muito pouco. Com seu terno escuro, olhar fixo e voz rouca, Luiz Inácio Lula da Silva mantém boa oratória. O ex-chefe de Estado brasileiro (2003 – 2011) deixou, após 580 dias de prisão por corrupção, sua cela em Curitiba, em novembro de 2019, com a mesma vontade de influenciar a cena política do seu país.

Aos 74 anos, o líder da esquerda brasileira se diz confiante em relação aos processos judiciais em andamento contra ele. Ele voltou “sereno”, como sempre diz, e quer que todos saibam. Depois de uma primeira viagem destinada a uma visita ao Papa, em Roma, ele deixou Paris no dia 5 de março, após ter reunido com políticos e intelectuais de todos os espectros, participar de muitos atos de solidariedade e se encontrar com diversas mídias durante quatro dias. Entre elas, o Le Monde.

O presidente Jair Bolsonaro convocou uma manifestação contra seu próprio Congresso para o dia 15 de março. O Brasil atravessa uma crise institucional?
O Brasil vive um momento difícil. A democracia corre verdadeiro perigo. Eu acho que Bolsonaro sonha em instaurar um regime autoritário. Esta é a razão pela qual ele provoca o Congresso Nacional desta maneira. Ele sabe que no Brasil isto é bom aos olhos da opinião pública. Cria tensões e procura provocar embaraços à Suprema Corte. Bolsonaro formou um governo apoiado em milícias, é a primeira vez na história do país que o Executivo foi infiltrado desta maneira por grupos violentos formados por ex-policiais e ex-militares. Tudo isso é muito perigoso.

Qual é o remédio?
O remédio contra Bolsonaro é mais democracia. Ele será candidato à presidência novamente em 2022, e deve ser impedido. Temos que tentar construir uma aliança política como fizemos antes de ganhar as eleições (com setores da esquerda).

Se a situação é tão perigosa como o senhor diz, por que não lançar uma coalizão mais ampla?
No Brasil, toda vez que se convoca uma aliança mais ampla entre diferentes setores políticos, isto se dá em detrimento dos trabalhadores. É sistemático! E eu não quero isso. Tudo é determinado através da escolha popular, é a população que decide. A classe política é o resultado do grau de consciência política da sociedade no dia da votação. É isto que este Congresso não compreende. As pessoas votam de acordo com um candidato, uma pessoa, de acordo com seu ódio ou cólera… E nós, na última votação, não conseguimos fazer com que os eleitores pensassem de outra forma.

O Emmanuel Macron, por exemplo. Não é o homem ideal, mas ganhou a eleição. Ele se apresenta como “moderno”, como o candidato da novidade e da inovação. Mas a novidade não existe! A única novidade que importa é cuidar das pessoas, o resto é apenas rotina de gestão de rotina.

A ex-presidente Dilma Rousseff disse que “a democracia no Brasil passa pela eleição de Lula à presidência”. O que o senhor acha?
Não! O remédio para a democracia brasileira é que o povo se aproprie do Estado para cuidar de seu país. O Lula é apenas uma peça da engrenagem. Eu tenho consciência da minha importância política, mas analiso também os problemas da sociedade e a contingência de forças políticas. Eu acredito que é na democracia que encontraremos todas as soluções para os problemas do país.

O senhor declarou que tanto o Partido dos Trabalhadores quanto o senhor deveriam “assumir suas responsabilidades”. O senhor associa a isso uma alguma dose de autocrítica?
Não tenho problema nenhum com isso. O problema é que esta questão da autocrítica não é direcionada a ninguém no Brasil, exceto ao PT. Ninguém jamais colocou esta questão, por exemplo, ao (ex-presidente) Fernando Henrique Cardoso. É verdade que o PT cometeu erros, se enganou e falhou em algumas coisas. Aliás, é por isso que eu quis voltar em 2018, para fazer as coisas que eu não tinha conseguido, por falta de experiência ou porque deveria ter feito outras escolhas.

Por exemplo, a regulamentação dos meios de comunicação. Eu não queria adotar um sistema como o cubano, mas mais como na França ou na Alemanha, onde existe liberdade de imprensa, uma certa regulação e a admissão de um direito de resposta. No Brasil há uma censura de classe. E os donos dos jornais querem governar o país. Nisto reside o problema.

E a questão da reforma política?
Não faremos uma reforma política no Brasil com um Congresso como este. Qual partido é capaz de se comprometer com este tema? Nenhum! Eles não querem uma reforma política. Tarso Genro, que era meu ministro da Justiça, tentou fazer diversas modificações, mas nenhuma passou. Isto porque os eleitos se alternam nas instituições vigentes. Os partidos não querem acordo e não mudarão.

É verdade que não pudemos fazer tudo que gostaríamos de ter feito. Como colocar mais pessoas nas universidades ou nas escolas técnicas. Dito isto, aqueles que nos pedem uma autocrítica se recusam a admitir o que nós fizemos de bom. Veja bem: quando ocorreu a crise de 2008, cerca de 100 milhões de pessoas perderam seus trabalhos nos países desenvolvidos. Nós, no Brasil, criamos 20 milhões de empregos.

Vamos comparar a situação com as dos democratas norte-americanos, que também perderam as eleições contra um nacionalista populista como Trump. Eles não fizeram a autocrítica deles. Fizeram até o contrário, parecem-se cada vez mais com os republicanos! Este não é o caso do PT. Tudo bem que o Trump é maluco, tem um parafuso a menos, mas qual a diferença, do ponto de vista econômico, entre Joe Biden e ele? Fiquei triste que o Bernie Sanders não conseguiu obter vantagem na Super Tuesday. Ele era meu favorito, e agora as coisas vão ficar mais difíceis para ele…

Eu sempre me pergunto a mesma coisa: por que criei o PT? Eu fiz isso porque queria construir um instrumento político para dar visibilidade e voz para aqueles que não as possuíam. Atualmente, é forçoso reconhecer que não tivemos êxito.

Le Monde