15 de maio de 2020
Foto: Ricardo Stuckert

O ex-presidente Lula declarou, em entrevista para a AFP, que ele “teme um genocídio no Brasil” ocasionado pela forte oposição do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro às medidas de isolamento social.

Nesta entrevista realizada na quinta (14) por videoconferência, Luiz Inácio Lula da Silva também defendeu a destituição de Jair Bolsonaro e mostrou preocupação com o papel dos militares que, segundo ele, “possuem mais influência no governo” que durante a ditadura (1964-1985).

O Brasil é um dos países mais afetados pelo coronavírus, com cerca de 14.000 mortes, mas Jair Bolsonaro pede diariamente pela saída do confinamento, argumentando que a preservação da economia e do emprego são mais importantes para evitar um “caos social”.

Leia a entrevista:

O que o senhor pensa sobre as tensões políticas em torno do coronavírus no Brasil?
O governo transforma as pessoas que estão preocupadas com o coronavírus em inimigos, então não pode dar certo. Como católico, rezo para que o povo brasileiro escape de um genocídio causado por Bolsonaro.

Em março, o senhor era contra o impeachment de Bolsonaro. Mudou de ideia?
Eu não mudei de opinião. O que acontece é que você não elege um presidente hoje e no dia seguinte tenta fazer o impeachment. Primeiro a pessoa tem que ter cometido crime de responsabilidade. Na minha opinião, Bolsonaro tem cometido vários crimes de responsabilidade, tem atentado contra a democracia, contra as instituições, contra o povo brasileiro. Ele não tem sequer respeito pelas pessoas que morreram (de COVID-19). Não acho que o impeachment tem que ser feito por um partido político, tem que ser feito por uma instância que não seja partidária, porque se você entrar com uma proposta partidária, ela vai ser uma proposta ideologizada e será pretexto para que muitos deputados não queiram participar.

Como o senhor analisa a posição dos militares no governo?
Enquanto instituição, as Forças Armadas são garantes da nossa soberania. (Os militares) podem contribuir muito para a ordem e a paz em nosso país, mas não podem tomar partido. O partido deles é o Brasil. Mas o que vemos é Bolsonaro colocando militares em vários postos. Hoje, existem mais militares do que civis no palácio presidencial, os militares estão no comando. O país não é uma caserna, (…) tem que ser governado da forma mais democrática possível, e nem sempre os militares sabem lidar com a democracia.

Qual é o real papel dos militares no entorno de Bolsonaro?
Acredito que eles são parte importante nas tomadas de decisão de Bolsonaro. Toda vez que ele diz uma asneira, no dia seguinte é corrigido por um militar. Se o ministro da Saúde concede uma entrevista, ele terá um general ao seu lado. Os militares possuem mais influência no governo hoje do que durante a ditadura (1964-1985), quando generais eram presidentes.

Por que a esquerda não está tendo um papel central de oposição?
A esquerda faz oposição ao governo todos os dias, no Congresso, nos movimentos sociais e sindicais. A diferença é que não estamos nas ruas. Muitas pessoas que elegeram Bolsonaro só agora compreenderam que ele não está à altura do cargo de presidente da República. Eu tenho certeza de que a direita não está acostumada a apoiar um presidente tão pouco civilizado assim.

O Partido dos Trabalhadores pode fazer parte de uma frente ampla de oposição contra Bolsonaro, compondo com a centro-direita?
É difícil imaginar isso. É necessário saber que existe uma diferença entre a construção de uma frente ampla e uma aliança eleitoral. Se o PT fizer parte de uma aliança, terá que ser uma aliança de esquerda. Aqui, no Brasil, é difícil imaginar uma frente ampla como no Uruguai. No Brasil, nós temos mais de 30 partidos, e fundos públicos para financiar as campanhas eleitorais de cada um deles. Poucos partidos estão dispostos a renunciar a esses fundos, eles não querem perder autonomia.

AFP.