11 de janeiro de 2021
Trump e Bolsonaro se transformaram em aliados internacionais em todos os principais tópicos de suas presidências, e têm imitado entre si as abordagens, muitas vezes conspiratórias, para a mudança climática, COVID-19, democracia e eleições. Foto: Alan Santos/PR.

O mundo ficou horrorizado quando uma multidão invadiu o Capitólio dos EUA na quarta-feira, colocando um país que se considera a mais antiga, mais forte e excepcional democracia do planeta à beira de sucumbir aos caprichos autoritários do presidente Donald Trump e dos seus apoiadores mais radicais.

Mas no Brasil, talvez mais do que em qualquer outro lugar, os tumultos no Capitólio pareciam um aviso vindo de um futuro não tão distante.

Desde que ganhou as eleições em 2018, o presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro, tem promovido um ataque generalizado às instituições democráticas do país, desacreditando seu sistema eleitoral e importando muitas das teorias da conspiração relacionadas às eleições que Trump e o Partido Republicano fomentaram nos últimos seis meses.

As provocações de Trump resultaram no enfrentamento de quarta-feira em Washington, que fez soar o alarme no Brasil de Bolsonaro, como se tivesse sido apenas um prenúncio.

“Ataque à Democracia”, a primeira página do Estado de S. Paulo, um dos jornais de maior circulação no Brasil, repercutiu em negrito e letras maiúsculas, na manhã de quinta-feira, a cobertura de notícias distantes que figuravam como um apelo para que os brasileiros prestem atenção no perigo que enfrenta a sua própria república.

Outros foram mais diretos.

“Para o Brasil, é um alerta sobre o que ainda pode acontecer de pior aqui, se não for contido o autoritarismo de Bolsonaro e suas milícias, se continuarem sendo toleradas as violações à liberdade e aos direitos”, escreveu no Twitter o ex-presidente esquerdista Lula da Silva, que desafiou Bolsonaro nas eleições de 2018, mas foi impedido de concorrer.

Alessandro Molon, um membro da oposição na Câmara dos Deputados do Brasil, tuitou que os tumultos nos Estados Unidos provaram que “nem mesmo a democracia mais estável do mundo sobrevive impunemente ao populismo de direita!

“É por isso que é tão importante nos unirmos: precisamos nos proteger e evitar o pior em 2022!” Molon clamou, enquanto o governador do estado de São Paulo, João Doria, um ex-aliado de Bolsonaro que pode concorrer contra ele nas eleições do próximo ano, chamou o acontecimento de “alerta para o Brasil, onde uma minoria que flerta com o autoritarismo e o fanatismo tenta enfraquecer as instituições e ameaçar o Estado de Direito.”

Por mais de dois meses, enquanto Trump fazia alegações absurdas de fraude eleitoral e roubo ou desaparecimento de votos, Bolsonaro permaneceu um de seus únicos aliados internacionais na luta. Ele foi um dos últimos líderes mundiais a reconhecer a vitória de Joe Biden em novembro, e ainda parece decidido a fingir que Trump não vai deixar a Casa Branca.

Esta não é uma nova cause célèbre para os brasileiros. Bolsonaro, como Trump, divulgava conspirações sobre a eleição de 2018, abertamente alegando fraude na corrida presidencial que ele mesmo ganhou. E ele não parou desde então. Embora as muitas outras flagrantes ameaças contra as instituições democráticas e a destruição da Floresta Amazônica durante seu governo tenham recebido mais atenção da comunidade internacional, Bolsonaro passou os últimos dois anos tentando minar o sistema eleitoral brasileiro, e os últimos dois meses usando Trump e os Estados Unidos como um motivo para aumentar seus ataques.

Assim como muitos brasileiros apontaram Trump como um exemplo dos horrores que Bolsonaro poderia trazer para sua própria nação, Bolsonaro sinalizou que os problemas que existem na mente de Trump e de alguns republicanos nos Estados Unidos em breve seguirão caminho para o Brasil.

Na quinta-feira, ele urgiu o Brasil a trocar as urnas eletrônicas, que fornecem contagens de voto rápidas e confiáveis, por cédulas de papel – uma movimentação que alguns advertiram poder alimentar o tipo de teorias da conspiração que infundadamente alegavam que a votação por correio estava ligada a uma fraude desenfreada nos Estados Unidos.

“Houve pessoas que votaram três, quatro vezes, e pessoas mortas que votaram”, disse Bolsonaro a uma multidão de apoiadores na manhã de quinta-feira, de acordo com a Folha de S. Paulo, o maior jornal do Brasil. “E aqui no Brasil, se tivermos o voto eletrônico em 2022, será a mesma coisa. Vamos ter um problema pior do que dos Estados Unidos.

Isso não aconteceu nos Estados Unidos, e não é provável que ocorra no Brasil, onde o sistema de votação é muito mais eficiente e preciso do que qualquer outro nos Estados Unidos. Mas isso não importa para Bolsonaro. O objetivo é encontrar qualquer indício diminuto para embasar teorias da conspiração lunáticas.

Tais observações seriam perigosamente antidemocráticas em tempos normais, mas qualquer senso de normalidade deixou de existir tanto nos EUA quanto no Brasil anos atrás. Em 2016, dezenas de brasileiros de direita furiosos esquivaram-se da segurança e invadiram o edifício do Congresso Nacional do país, para pedir um golpe militar. Uma pequena demonstração que, no entanto, oferecia alguma indicação do descontentamento que mais tarde levaria Bolsonaro ao poder e antecipava o pior ainda por vir. Mais recentemente, Bolsonaro tem alimentado manifestações semelhantes, que parecem precursoras diretas do tipo de insurreição que ocorreu em Washington.

Ao longo dos dois primeiros anos de sua presidência, os apoiadores mais radicais de Bolsonaro pediram o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal, e no ano passado, um punhado de militantes foram presos após dispararem fogos de artifício imitando um bombardeio no prédio do Supremo Tribunal. Bolsonaro nem sempre apoia o pior, mas ele está sempre lá para incitar o fervor entre seus apoiadores.

O instinto de Trump também é atiçar a sua base quando os tempos estão difíceis. E os tumultos, que eclodiram logo após Trump ter explicitamente dito a seus apoiadores para irem ao Capitólio, ofereceram aos brasileiros um exemplo óbvio de como essa agitação pode irromper em uma irrupção completa, disse Bruno Boghossian, colunista político da Folha de S. Paulo.

“Se olharmos apenas da perspectiva da agitação política, parece que [Bolsonaro] está apenas tentando obter mais apoio e deixar essas pessoas com raiva para que possam apoiá-lo com ainda mais paixão”, disse Boghossian. “Mas quando Trump realmente faz algo concreto, então vemos o que Bolsonaro é capaz de fazer.

Desde o início, a preocupação no Brasil era que Bolsonaro fosse uma versão mais perigosa do Trump, uma força que ofereceria um teste muito mais duro para instituições mais jovens e menos consolidadas. Trump e o Partido Republicano provaram, em última análise, que as instituições americanas eram mais fracas do que muitos inicialmente presumiam, mas no final, as eleições do país, o Judiciário que as supervisiona, e o Congresso responsável por certificá-las parecem ter prevalecido ― mesmo que apenas temporariamente.

Por sua vez, as instituições do Brasil eventualmente se saíram melhor do que muitos pensavam, e fragmentações no Congresso, onde Bolsonaro não goza do apoio de um partido consolidado como Trump com os Republicanos, o que pode ajudar a proteger o país do desastre total.

Mas também não é claro, disse Boghossian, que outras instituições, incluindo as fileiras inferiores dos militares e do Judiciário, permaneçam firmes caso Bolsonaro consiga incitar uma disputa generalizada.

“Nos Estados Unidos houve objeções dos militares, dos congressistas do Partido Republicano, das autoridades eleitorais do Partido Republicano nos estados e do vice-presidente”, disse Boghossian. “Não tenho certeza se Bolsonaro vai ter a objeção de todas essas instituições no Brasil. Os freios e contrapesos, as instituições democráticas e todas as autoridades envolvidas no processo político podem não ser tão duras com Bolsonaro como as autoridades americanas foram com Trump.”

Há diferenças sutis entre o Brasil e os Estados Unidos que as comparações apressadas, feitas entre Trump e Bolsonaro, muitas vezes obscurecem. Ainda assim, é inegável que a eleição de Trump em 2016 foi uma prévia do que se seguiria no Brasil dois anos depois. O Brasil não aprendeu as lições oferecidas por seu vizinho do Norte na época. Mas desta vez, ainda tem a oportunidade de ouvir os avisos antes que seja tarde demais.

“O Brasil deve aprender muito com os terríveis acontecimentos de ontem em Washington”, escreveu na quinta-feira Miriam Leitão, colunista do Jornal O Globo do Rio de Janeiro. “Este é exatamente o plano do presidente Bolsonaro, e é por isso que ele vem alimentando teorias de conspiração sobre as urnas eletrônicas, as leis eleitorais do país e o [Supremo Tribunal] desde 2018. Ele planeja reencenar o que vimos ontem em Washington.”

“O Brasil deve levar a sério tudo o que aconteceu ontem”, continuou Leitão. “Um presidente que mente durante anos e sabota as bases da República, usará os seus poderes contra o país um dia. Precisamos fortalecer as defesas da democracia brasileira.

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